SIDERÚRGICA em Anchieta? Reportagem especial

Vale insiste em siderúrgica e causa polêmica em Anchieta
Por Bruno Lyra, Fabrício Ribeiro

 Pescadores e catadores temem colapso
O anúncio de mais um grande projeto industrial em Anchieta, litoral sul do Estado, vem gerando polêmica. Trata-se de um complexo da empresa Vale – a Companhia Siderúrgica de Ubú (CSU) - que compreende, além do parque industrial, uma variante ferroviária e ampliação de um porto. Iniciativa semelhante em Anchieta, da própria Vale junto com os chineses da Baosteel, foi descartada recentemente, inclusive, pelo Governo Estadual, pelo alto potencial poluidor e por insuficiência na oferta de água.
Se por um lado há muita expectativa com o progresso econômico com a CSU, também há muita preocupação. A reportagem enviada do Tempo Novo esteve em Anchieta entre 26 e 27 de janeiro e ouviu moradores, pescadores, mariscadores, lideranças e ambientalistas. Eles  garantem que a CSU será degradadora para o meio ambiente, saúde pública, pesca e mariscagem, além de um colapso social e na segurança pública. Denunciam que há comunidades ameaçadas de desaparecer  para dar lugar ao projeto. Professora universitária e responsável por uma pesquisa sobre Anchieta, Maria Helena Rauta garante que os impactos da CSU serão “imensos”.
“Haverá crescimento da violência. O município não vai comportar as levas de imigrantes. A poluição do ar será ainda maior. Estamos no limite por causa da siderúrgica Samarco, que opera há décadas na região. Também haverá problemas no rio Benevente e no mar”, enumerou.
O presidente do Grupo de Apoio ao Meio Ambiente de Anchieta (Gama), Bruno Fernandes, disse que lideranças contrárias à CSU vem sofrendo pressões. “Alguns inclusive vem sendo cooptados, até com cargos”, denunciou. O presidente destacou que já há invasões nas margens da lagoa de Ycaraí. “Começou há três anos com a expansão da Samarco e aumentou nos últimos meses com a divulgação da nova siderúrgica da Vale”, observou, acrescentando que diversas entidades estão se preparando para acionar a Justiça.
Impactos
Segundo o secretário de Comunicação de Anchieta, Flávio Simões, o prefeito Edival Pétri (PSDB) exigirá prioridade na contratação de mão-de-obra local. “Hoje temos cerca de 26 mil habitantes. Consultorias apontam algo entre 80 e 100 mil daqui a seis anos. Vamos investir R$ 30 milhões em obras”, pontuou o secretário, acrescentando que o início das obras da CSU pode já acontecer em 2011, uma vez que o Governo do Estado quer agilidade no processo.
Em nota desta semana, a Prefeitura de Anchieta afirma que os contrários à CSU são um “pequeno grupo” e não refletem a opinião da população. O secretário de Meio Ambiente de Anchieta, Marcelo Pompermayer, acredita que o projeto pode ser viável. “A Samarco investiu e reduziu suas emissões de pó e a Vale poderá fazer o mesmo com a CSU”, disse. Mas quanto ao esgoto industrial, disse que ainda não foi definido o ponto de lançamento.
“Nascemos aqui e não queremos deixar este lugar. Principalmente as pessoas mais velhas”, frisou. Calixto Manuel Vítor demonstrou preocupação. “Somos descendentes de indígenas, meu avô e meu pai nasceram e foram criados aqui. Não tem dinheiro que pague. Se meu pai sair daqui, não vive mais nem um ano”, lamentou. Outra comunidade que poderá ser diretamente afetada pela CSU é Monteiro. 

A instalação da CSU da Vale é motivo de preocupação para grupos tradicionais de Anchieta. Presidente da Associação de Catadores de Caranguejo de Anchieta (Acata), Jadir Purcino, teme pelo uso da água do rio Benevente. “Vão tirar muita água limpa rio acima e lançar o esgoto na área do mangue. Isso vai destruir a área de reprodução das espécies e o sustento de dezenas de famílias de catadores”, destacou.
Já o presidente da Associação de Pescadores de Anchieta, Adilson Ramos Neves, disse que as atividades industriais já existentes na região fizeram cair a produção de peixe. E afirma que se a CSU for instalada a situação irá piorar. “Estamos ameaçados de perder ainda mais a nossa área de pesca e não temos mais nosso meio de sobrevivência”, protestou.





EDITORIAL DO JORNAL - OPINIÃO

Tragédia anunciada
Os benefícios de outra siderúrgica para uma cidade como Anchieta são puramente econômicos.  Se a população de lá pouco sabe o que é desemprego, passará a saber; se não sabe o que é invasão de terras, passará a saber – e os sinais já se mostram no entorno da lagoa Mãe-Bá e nas ações da prefeitura de demolir barracos.
Se os moradores não convivem com uma imigração desordenada oriunda de outras cidades, de outros estados, se preparem para conviver com esse fato. Se preparem para o inchaço urbano.
Os moradores de Anchieta podem se preparar para conviver com o aumento da violência, com o aumento do tráfico de drogas, com o aumento da poluição, com a degradação urbana, com a degradação ambiental, entre outras adversidades. Lá já tem a Samarco, cuja poluição do ar no seu entorno é vista a quilômetros de distância. A CSU não será diferente.
Talvez a única diferença seja a anunciada compra de terras, meio que na pressão, de comunidades tradicionais, como é o caso da Chapada do Á, onde descendentes de índios que permaneceram “aldeados” teriam direito sobre a terra que ocupam e até mais. É só resgatar o histórico da criação de uma reserva indígena naquele local logo após a expulsão do jesuítas pelos portugueses. História com certas semelhanças, alías, com a que aconteceu em relação aos índios de Aracruz por ocasião das fases de instalação da Aracruz Celulose (Fibria).
Em termos sociais, uma usina siderúrgica funciona como um ‘rabo de cavalo’, ela puxa o crescimento para baixo, dado a todos os tipos de mazelas que ela atrai. Tem quem ganhe com a sua instalação! O município, que é beneficiado com o aumento do Imposto Sobre Serviços, com o aumento do ICMS, com o ITBI - fruto de transações imobiliárias. Quem está no poder que vislumbra nesse aumento de receita uma maneira de esticar a sua permanência no comando do Executivo; alguns empresários mais articulados, com maior poder de barganha e com um pouco mais de influência. Além da renda circulante que acaba por aquecer a economia e dos postos de trabalho gerados.
Mas, pelo que já vivemos há tantos anos na Serra, tais riquezas têm um enorme custo social e ambiental. Pode-se afirmar que, Anchieta, a partir da construção da CSU, se tornará uma cidade rica, mas de população pobre. A Vale, junto com os chineses da Baosteel, foi colocada “para correr” recentemente de Anchieta. Até o Governo do Estado, agora tão entusiasmado, destacou que não haveria água suficiente na bacia do rio Benevente e, que a poluição do ar já estava no limite pela operação da Samarco.
Curiosamente, a própria Vale voltou. Diz que o projeto é menor, com menos poluição, mais tecnologia e pleno controle sobre os impactos sociais. Será que existe alguém que acredite nisso, voluntariamente? Nós, não! E não podemos nos furtar de denunciar. Anchieta fica aqui no nosso Espírito Santo e queremos projetos novos, limpos e sustentáveis e não mais seguir entregando o Estado para as indústrias sujas, poluidoras e dissimuladoras.
Impactos de siderúrgicas na Serra e Grande Vitória
Sobre as siderúrgicas, podemos falar com segurança sobre os tantos impactos, pois a CST (Companhia Siderúrgica de Tubarão, agora ArcelorMittal) iniciou suas atividades em 1983, ano de fundação do TN. Portanto somos conhecedores dessa história, que ao instalar a então CST, ao lado do complexo da antiga Companhia Vale do Rio Doce, hoje Vale, criou-se uma das maiores plantas siderúrgicas do planeta cravada entre a Serra e a Capital, gerando transtornos em termos de poluição do ar e de saúde pública.
Podemos citar uma a uma as invasões surgidas a partir do início da construção da CST; podemos falar da periferia que se criou em seu entorno e citar a migração de mão-de-obra responsável pela sua montagem, que acabou escolhendo a Serra para morar, gerando muitos bolsões de pobreza.
E não podemos deixar de lembrar que muitos dos bairros que surgiram coincidem exatamente com o “Mapa da Violência” elaborado pelos órgãos de segurança pública, cujos índices de homicídios mantêm a Serra no topo de um pódium nacional: uma das cidades mais violentas do país.
Podemos mostrar a grande faixa de praia que ficou impedida de ser usada em função da construção da usina e do Porto de Praia Mole, afetando a vida de famílias de pescadores. Não nos poupamos de seguir até Jardim Camburi, para denunciar a quantidade de pó de minério que cobre as areias daquela “praia de ferro”.
Podemos afirmar, junto com a opinião pública, que tal complexo siderúrgico é a principal fonte de poluição do ar, com a emissão de particulados (pó de minério) que adentram as casas das famílias no seu entorno, bem como em residências localizadas em bairros de Vitória e Vila Velha.
Membros da área médica acadêmica e científica apontam estudos realizados, nos quais a CST e o complexo de Tubarão, da Vale, são responsabilizados pelo aumento da incidência dos números de casos de doenças respiratórias e que isso teria criado um débito dessas empresas para com o Sistema Único de Saúde (SUS), de mais de R$ 5 bilhões, ao longo de suas existências. No passado, o Conselho Estadual de Saúde chegou a debater que tais empresas deveriam ressarcir os cofres da saúde pública.
Uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), da Assembléia Legislativa, foi criada em 1996, para estudar os transtornos e problemas causados à população da Grande Vitória e Aracruz pela poluição ambiental, causadas pela CST, Complexo de Tubarão, Belgo Mineira e Aracruz Celulose. As conclusões, apesar da contundência, nunca foram amplamente divulgadas.

Fonte: http://www.jornaltemponovo.com.br/ Edição 850 – Serra/ES, 05 a 12/02/10



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